Mudar a cultura é um investimento barato e essencial para que os investimentos maiores tenham retorno.
Inovação não é um software. Não é a casual Friday do escritório, nem as cervejas artesanais liberadas no fim do expediente. Tampouco, aquele novo departamento que ninguém entende o motivo pelo qual existe. Às vezes, essas coisas até se relacionam com inovação, mas definitivamente não são elas por si só.
A etimologia de inovação é latina (do termo innovare) trata-se do ato de introduzir novidades. Mas, o seu significado, na prática, está muito relacionado ao contexto. Pelo hype, inovar é se desvencilhar de tudo que vemos. Nas artes, é criar um método de produção e resultar algo jamais experimentado. Nos negócios, a inovação tem um tom mais pragmático e busca satisfazer as necessidades e expectativas dos clientes. Em comum, inovar é o antônimo de, com perdão pelo léxico rebuscado, caxias. E, por este prisma, inovação legal é quase um paradoxo.
Pode até ser um quase-paradoxo, mas nunca esteve tão em pauta. E nunca funcionou tão bem.
Inovação não é um plug-and-play
Projetos e programas inovadores podem levar tempo e disposição dos envolvidos para que comecem trazer resultados, se não falharem antes. Muitas criações serão infrutíferas e o aproveitamento estará no seu desenvolvimento, nos aprendizados do caminho, e não no destino.
Mudar a cultura é um investimento barato e essencial para que os investimentos maiores tenham retorno
O que vestimos, como nos comportamos e o que fazemos é carregado de simbologia. Quando um aluno de alguma universidade de Direito “tradicional” São Paulo deseja ingressar no quadro de colaboradores de um escritório renomado e vestir-se de maneira formal, há um simbolismo forte da tradição. É um sonho anacrônico, compatível com o aluno da classe de 60 e 70, bem como com o aluno da classe de 2020 e 2030.
A inovação não significa sufocar este “tradicionalismo”. Quando se diz que a advocacia como conhecemos não existirá em breve, temos que diferenciar isto da cultura. A tendência não é que a “cultura do advogado tradicional” mitigue. Claramente, irá diminuir porque aqueles que não se sentem confortáveis nela encontrarão uma alternativa mais compatível, mas o ponto é que a “cultura do advogado não-tradicional” irá aumentar.
O “tradicionalismo” não é negativo, e continuará a ser essencial para cenários onde sua imagem tem sentido. Alguns sistemas têm este apelo e o Direito, como um sistema aberto, pode se moldar conforme o outro sistema ao qual dialoga. O advogado “típico” de terno e gravata pode compreender mais de visual law e ciência de dados do que o advogado descolado e fazer um uso mais eficaz, mesmo metido em uma alfaiataria elegante.
Sistemas tradicionais podem não saber como se transformar, já que se apegam à burocracia e hierarquia, valorizando mais o cumprimento de ritos do que um caos positivo. Porém, o principal obstáculo está em aceitar de que algo é feito assim há décadas e está tudo bem. Time que está ganhando não se mexe. E esse isso vitima qualquer instituição.
É comum escutamos a história de algum colega que adquiriu um software caríssimo para seu escritório ou departamento e depois se arrependeu porque a equipe não aderiu. E por que a equipe não aderiu? Essa é uma autocrítica que não costuma ser feita.
O desejo de uma análise de dados profunda é contraditório enquanto se considera o preenchimento de planilhas internas ou inserção de dados no sistema algo inútil ou fazê-lo de qualquer jeito, já que isso não é trabalho de advogado. O motivo para isso não é visto e a frustração é inevitável.
Não é sobre mesas de ping-pong e ou usar calça jeans. O propósito da inovação precisa ser compreendido para que haja colaboração. Trazer um projeto fantástico para dentro de casa e simplesmente impô-lo como norma. Não adianta pegar estruturas retrógadas e vesti-las com cores as cores neon de nossa década.
Mudar a cultura também significa ouvir opiniões e proporcionar relações mais horizontais, afinal, ideias boas podem surgir de qualquer um. Concentrar conhecimento sem compartilhar com o colega por receio ou ainda acreditar que os anos de carreira são o único validador de capacidade são conceitos que além de atrasar o progresso, não possuem espaço no futuro. O ego inflado, por vezes amargamente associado com advogados, não cabe em um ambiente colaborativo.
We no speak technojuridiquês
O juridiquês podia ser um idioma por si só, não apenas um dialeto. E a crença de que utilizá-lo faz com que o cliente admire seu advogado e acredite que ele é um conhecedor das leis certamente auxiliou na difusão do uso exasperado de terminologias sui generis do léxico forense (tradução: uso elevado de termos jurídicos).
A versão 2.0 do juridiquês é uma encruzilhada com a tecnologia. E não é só o estrangeirismo ao qual estamos todos habituados (e, eu mesma sou vítima), mas sim ao uso indiscriminado de palavras do momento para mostrar-se conhecedor do tema sem explicar ao cliente ou ao interessado o real significado.
Citar, na mesma frase, dez tecnologias não resolve os problemas pendentes. Inclusive, a falta de conhecimento sólido em tecnologia e um consenso claro da área faz com que muitos não conversem no mesmo dialeto e sim em um idioleto conflitante, onde para um a automação é piamente inteligência artificial e para o outro claramente não.
Faz parte da inovação obter conhecimento para se blindar da platitude.
Por que inovar?
Essa dúvida tem que ir além do medo de perder espaço para outros profissionais ou para criar o melhor benchmarking para redes sociais. Nem sempre inovação irá trazer retorno financeiro. Ou não diretamente.
A inovação abrange também, como já colocado, a cultura, mas também a comunicação e pensamento, por exemplo. Qual é a real necessidade, por exemplo, de escrever uma peça extensa, monolítica e cansativa para leitura se é possível trabalhar a redação para que seja mais assertiva e inserir gráficos e imagens que complementam a compreensão textual? O padrão petitório é ditado, especialmente, pelos advogados.
E, em época de acesso livre à informação (e, não só, mas em época de automação de acesso à informação), não é suficiente colacionar jurisprudências e demonstrar conhecimento em coletar este tipo de dado e crer que petição longa traduz a competência de quem escreve. Gerar platitude nunca foi tão simples. Além disso, juntamente com a imensa quantidade de processos tramitando pelo judiciário, quem consegue traduzir de maneira assertiva e destacada sua mensagem, acaba por ter vantagem
Inovação não é só tecnologia
A inovação pode vir de uma pequena mudança na comunicação do cliente, na forma de redigir um termo de uso de descontraído ou ensinar o Direito para quem não é da área. O uso de metodologias para organizar fluxos de trabalho podem garantir mais horas livres. Ou então o processo criativo para gerar uma tese pode proporcionar uma experiência muito mais prazerosa do que simplesmente colocar algo direto no papel (além de um resultado mais lapidado!).
Óbvio que o lucro é necessário. Projetos ousados retornam financeiramente bem. Porém, aqui voltamos para o ponto de que se não tivermos um alicerce nem para uma casa, como quereremos um arranha-céu?
Novas profissões para quem ama o Direito
Tirando o chapéu distante de autora do texto e colocando um mais intimista, a pergunta mais recorrente que me fazem é se você gosta de tecnologia, por qual motivo faz Direito?
As faculdades de Direito formam, primordialmente, advogados. Juízes, promotores, diplomatas também, mas os formatos das aulas são voltados para construção do advogado. As outras possibilidades de carreira em Direito são colocadas como um desdobramento, e eventualmente há como estudar um pouco sobre isto.
A inovação abre espaço para mostrar o leque de oportunidades que há com o Direito. Ser advogado é incrível, porém tantas outras profissões relacionadas ao universo jurídico também são. Ademais, quantos advogados sinceramente apaixonados pelo Direito não gostariam de outro ofício sem renunciar ao Direito?
Designers legais, engenheiros e arquitetos jurídicos, analistas de dados jurídicos, criadores de conteúdo jurídico… quantas possibilidades existem! E isso vira um looping: quanto mais novidades, novas necessidades e novas profissões. O que é preciso compreender que a inovação jurídica não extingue papéis (ou, ao menos, não a maioria deles), e sim os cria. Não, o advogado não deixará de existir.
O Brasil precisa ir além de São Paulo
São Paulo tem as ruas da fascinação. Os eventos gigantes acontecem aqui, os grandes nomes estão aqui, há uma lenda de que tudo tem futuro se nasce aqui. Ufanismos à parte, todos os lugares possuem espaço para criação. Realizar encontros e parcerias possibilitam o desenvolvimento regional.
O objetivo não é ser maior que São Paulo (ou o Sudeste, já que o Rio de Janeiro também está despontando em inovação jurídica), que concentra tantas pessoas, e sim ser o melhor para a própria realidade. E ninguém melhor do que um manauara para ser o melhor para realidade de Manaus ou alguém de Uruguaiana para entender as dores de alguém do extremo sul.
Compartilhar conhecimento com pessoas de outras cidades e estados é fundamental para uma comunidade mais forte, mas somente o dono da casa entende perfeitamente onde mora.
Autora: Sofia Marshallowitz
Fonte: https://www.jota.info/autor/sofia-marshallowitz